A norma IFRS 15 – Receita de Contrato com Clientes, emitida pelo International Accounting Standards Board (IASB), entrou em vigor em 1º de janeiro de 2018 com o objetivo de padronizar o reconhecimento de receitas entre setores e jurisdições, substituindo as antigas normas IAS 18 e IAS 11.
Embora o foco principal da IFRS 15 seja em entidades que entregam bens ou prestam serviços, ela também tem efeitos importantes sobre as instituições financeiras. A norma impacta, principalmente, a contabilização de receitas que não vêm de instrumentos financeiros, como tarifas de serviços, comissões, receitas de assessoria, programas de fidelidade e outras receitas contratuais.
Este artigo explora os principais impactos da IFRS 15 nas instituições financeiras, detalhando como a norma afeta o reconhecimento, a mensuração, a apresentação e a divulgação de receitas que não são abrangidas por outras normas contábeis, como a IFRS 9.
Visão Geral da IFRS 15
A IFRS 15 estabelece um modelo único de cinco etapas para o reconhecimento de receita:
- Identificação do contrato com o cliente: O contrato precisa ser legalmente vinculativo e ter expectativa de recebimento dos valores acordados.
- Identificação das obrigações de desempenho: A instituição deve avaliar quais são os bens ou serviços distintos prometidos ao cliente, como a emissão de um cartão de crédito ou a manutenção de uma conta.
- Determinação do preço da transação: Define o valor que a instituição espera receber, incluindo tarifas fixas, variáveis, bonificações ou descontos.
- Alocação do preço da transação às obrigações de desempenho: Se houver mais de uma obrigação, o valor da transação deve ser alocado proporcionalmente a cada serviço.
- Reconhecimento da receita: A receita é reconhecida quando, ou à medida que, a instituição satisfaz uma obrigação de desempenho.
Esse modelo busca alinhar o reconhecimento da receita com o momento em que o controle dos bens ou serviços é transferido ao cliente. A norma também exige maior julgamento profissional e divulgação detalhada, o que representa um desafio adicional para instituições com contratos complexos.
Escopo de Aplicação em Instituições Financeiras
As instituições financeiras reconhecem receitas de diversas fontes, mas nem todas são afetadas pela IFRS 15. A norma se aplica apenas a receitas de contratos com clientes que não são instrumentos financeiros.
Receitas excluídas do escopo da IFRS 15:
- Juros sobre empréstimos e financiamentos (IFRS 9)
- Receita de dividendos (IFRS 9)
- Seguros (IFRS 17)
- Arrendamentos (IFRS 16)
- Instrumentos financeiros derivados e suas respectivas receitas (IFRS 9)
Receitas incluídas no escopo da IFRS 15:
- Tarifas bancárias por serviços (manutenção de conta, saques, TEDs etc.)
- Comissões sobre colocação de produtos financeiros (ex: corretagem)
- Receitas de serviços de custódia e assessoria financeira
- Programas de fidelidade vinculados a cartões de crédito
- Multas e tarifas por inadimplência
- Anuidades de cartões de crédito
Portanto, a IFRS 15 tem uma abrangência limitada, mas relevante, nas instituições financeiras, impactando as receitas de serviços e comissões, que muitas vezes representam uma parte significativa das receitas operacionais não financeiras dos bancos.
Aplicação do Modelo de 5 Etapas
Vamos ver como as 5 etapas da IFRS 15 são aplicadas na prática.
Etapa 1: Identificação do Contrato
A instituição deve identificar os contratos com clientes que gerem direitos e obrigações. Isso inclui contratos de prestação de serviços bancários, de gestão de ativos, de assessoria financeira, de custódia e de emissão e administração de cartões.
Etapa 2: Identificação das Obrigações de Desempenho
A instituição deve avaliar os bens ou serviços distintos prometidos. Por exemplo, em um contrato de cartão de crédito, as obrigações de desempenho podem incluir a emissão do cartão, a manutenção da conta ativa e o programa de pontos. Cada obrigação será avaliada individualmente para definir o momento do reconhecimento da receita.
Etapa 3: Determinação do Preço da Transação
Corresponde ao valor que a instituição espera receber. Isso pode incluir tarifas fixas (ex: R$ 10 por manutenção mensal), tarifas variáveis (ex: percentuais sobre o volume de ativos administrados) e multas.
Etapa 4: Alocação do Preço às Obrigações
Se houver mais de uma obrigação, o valor total deve ser alocado proporcionalmente com base no valor justo de cada serviço. Por exemplo, a anuidade de um cartão de crédito pode incluir serviços de seguro, milhagens e concierge, e o valor deve ser dividido entre essas obrigações.
Etapa 5: Reconhecimento da Receita
A receita é reconhecida quando a instituição satisfaz uma obrigação. Isso pode ocorrer ao longo do tempo (como na manutenção mensal de uma conta) ou em um ponto no tempo (como na emissão de um cartão).
Impactos Práticos e Desafios da IFRS 15
A adoção da IFRS 15 exigiu das instituições financeiras uma revisão profunda de processos e contratos para identificar e classificar corretamente as receitas.
Principais impactos observados:
- Reconhecimento Diferido de Receita: Algumas receitas que antes eram reconhecidas antecipadamente passaram a ser reconhecidas ao longo do tempo.
- Revisão de Programas de Fidelidade: Programas de pontos e milhas agora são tratados como obrigações futuras, e uma parte da receita é adiada até o uso efetivo dos pontos.
- Comissões e Intermediações: Receitas de intermediação, como a venda de produtos de terceiros, devem ser analisadas com cuidado para determinar se a instituição atua como agente ou principal, o que pode alterar significativamente a apresentação da receita no DRE.
- Reclassificação de Receitas: A IFRS 15 separa claramente as receitas de instrumentos financeiros (IFRS 9) das receitas de prestação de serviço (IFRS 15), o que impacta a classificação contábil e a análise de margem de intermediação.
Desafios na Implementação:
- Revisão e Digitalização de Contratos: Foi necessário analisar e digitalizar contratos padronizados.
- Granularidade na Análise de Receitas: As instituições precisaram de um nível maior de detalhe na análise.
- Integração de Sistemas: Houve a necessidade de integrar sistemas contábeis e comerciais para acompanhar as obrigações de desempenho.
- Capacitação Profissional: As equipes das áreas contábil, de produtos e de compliance tiveram que ser capacitadas.
- Atualização de Políticas: Políticas contábeis e notas explicativas precisaram ser atualizadas.
A IFRS 15 tem sido um marco para a contabilidade de receitas, trazendo mais transparência e uniformidade para o setor financeiro. O desafio agora é garantir que as práticas contábeis continuem evoluindo para se alinhar com o mercado e as normas globais.
Escrito pelo Samy Sayed, Doutor, Mestre e Bacharel em Ciência Contábeis pela FEA-USP, FSA Credential (L1) – IFRS Foundation